

corpo | Gabriela Canale
Canção.
Love is the weight of the world.
(O amor é o peso do mundo.)
Allen Ginsberg “Song”
I
Tocar-te apenas, ou ver-te
ou ouvir-te a falar ou sorrir-te
ou acompanhar teus olhos
por baixo das lentes.
Apenas de mim afastar-te
ou em sonho aproximar-me –
ao alcance, teus pés:
ou em prece reunir meus braços ao redor.
(Pois são para ti todas as palavras do canto.)
Apenas de longe mirar-te – ou aninhar-te
em algum lugar arcaico ou provar
do teu sumo ou lançar-me em direção a ti
como quem em aflição se lança.
Imaginar-te apenas – ou fabricar-te
ou de longe adivinhar a tua vinda
ou sofrer o rigor da tua ausência
e entoar um hino em teu louvor.
(Pois o próprio canto é um hino em teu louvor.)
II
Ou elevar-te acima de todas as coisas
e eleger-te o Sol que rege as estações
ou espalhar teus membros pelos campos
e misturar tua substância à substância da terra.
Ou planejar teu martírio – sangrar-te
e beber com volúpia do teu sangue
ou lacerar-te, romper-te, estraçalhar-te
e reter entre os dentes tua carne.
Ou passear com desdém sobre o teu corpo
e cutucar com violência tuas chagas –
e revolver-te, com imprudência, imperícia
e abandonar-te ainda vivo aos abutres.
Ou fazer com que te levantes, aceso –
e te ergas do seio enovelado da noite
para foder teus ornamentos com minúcia
e brincar com alegria em teus escombros.
Ou deslocar-Te, cingir-Te, embalar-Te
e perfurar com cravos as Tuas mãos e pés
e crucificar-Te, depositar-Te em sepulcro
e no terceiro dia festejar a Tua vinda.
Ou farejar nas estepes o teu rastro
e investigar com devoção os teus vestígios
ou rastrear no barro as tuas pegadas
e penetrar nos pantanais em teu encalço.
Ou metralhar-te, fuzilar teus pulsos
e desenhar com fogo um arabesco em teu peito
e chacinar-te, torturar-te, render-te
e remanejar em postas o que restar de ti.
Ou nomear-te o mais belo dentre
as coisas belas e escolher-te, louvar-te
o mais sagrado dentre o que é Sagrado;
o mais sublime dentre o que é Sublime.
Ou esquecer-te, apagar-te, devolver-te
ao magma de onde surgiste
e rasurar teu rosto com rabiscos
e prantear eternamente a tua perda.
text | Curitiba | Ygor Raduy
Mortification of the flesh1 | London | R.Cambusano