para G.
Eu conclamo a todas as mulheres que já foram abandonadas por homens que amam. As conclamo a me acalentar.
As conclamo a me despir e banhar, zelosas como mães, pacientes como mestres ancestrais.
Eu conclamo que limpem de mim esta falta do que nunca foi meu, umidifiquem e retirem este apego ao que hoje é ausente. Conclamo que o que houve de força nelas limpe minha garganta emperrada de urros vazios pras noites de dezembro. Peço que me lavem desta falta que insisto em exibir e esconder. Peço para que me lavem com uma massa densa, forte, dos sonhos e dos símbolos para que eu não torne reais meus desesperos, para que na imagem e metáfora permaneçam e se dissolvam junto às cinzas e à gordura misturadas à água. Às cinzas. À água. Se juntarão minha idiotice frágil, minha dependência de Gênero Humano. À água. Minha fé. Meu remédio. Meu veneno. Peço que as mulheres me convençam a não forrar as paredes do meu quarto, a não besuntar-me de vermelho, a não pintar tudo ao meu redor com uma muralha transparente de isolamento e degredo. Peço às mulheres que me lavem, que me deem a água que eu mereço. Peço que aqueçam meus pés, que me limpem. A ausência não é sujeira, mas sua persistência sim. Peço que me batizem como se eu fosse um anjo de força, virtude e sabedoria. Que me banhem de calma. Peço que me deixem chorar e que entendam esta brutalidade. Peço que limpem minhas unhas, meus cílios, que me acariciem os lábios em silêncio. Peço que não digam nada. Nunca. Peço que apaziguem os silêncios. Peço que tragam Eros para conversar comigo, quando eu estiver limpa. Peço que o retirem do barco de Caronte. Peço que o recebam com gentileza e o tragam ao meu abraço. Peço que elas vigiem nosso encontro e nada entendam. Peço que elas sejam ternas com Eros, ternas e sábias, ternas e ma. Peço que fiquem comigo enquanto o perdoo e o levem até os limites da minha visão quando nos despedirmos.
Peço que me embrulhem em tecido branco, suave, mas antes protejam todos os meus chacras. Peço que liberem a água que me banhou e que permitam que eu ande lentamente. Peço que elas, as mulheres que sobreviveram aos homens que se foram, cubram meu útero vazio com amêndoas e pólen de flores brancas e gelatinosas. Peço que me deixem sentar sob o sol e que me ensinem a respirar. Peço que cantem para mim músicas que eu nunca ouvi, sons que me acalmem. Peço que desarmem minha desconfiança e me relaxem para que assim eu seja forte o suficiente para me defender sem resistir. Peço que cantem até que eu durma. Peço que não estejam mais lá quando eu acordar.
being reversed by sleep and love | Dreamland | R.Cambusano