Não sei ao certo quando comecei a nascer eu mesma. Talvez tenha sido quando o peso do meu primeiro nascimento diminuiu.
Gestei-me por 34 verões e alguns fechados invernos. Eu nasci aos 34 anos, quando já tinha pernas firmes, sem placenta e cordão umbilical.
Assim, recém nascida aos 34, já tinha um corpo forte e cicatrizes.
Nasci Leve, sem nenhum desespero. Mas teve choro.
Chorei agradecimentos.
Meus pais foram muitos: uma legião de olhares atentos e generosos.
Aos 34 nasci grávida de ignorâncias bonitas e algumas delicadezas.
Logo em seguida ao meu nascimento tomei um grande susto:
eu estava atrás das grades.
Do lado de lá havia vida, verde, instintos.
Do meu lado havia uma grande vergonha de nascer entre seres que encarceram outros seres.
“Preta”, era o nome da cadela adolescente moradora do lado de lá das grades.
Ela choramingava, pedia comida. Pedia espaço para caminhar livremente.
Preta era alguém tolhido do mínimo necessário (como um dia eu fora).
Nós – todos nós – tiramos daquela cadela o mínimo necessário sem ao menos perceber isso.
NADA, nem NINGUÉM merece o mínimo, ou menos do que o mínimo.
Enquanto a preta e eu chorávamos, eu pensava: sou eu que estou presa.
Somos nós, humanos, que estamos apartados da sapiência dos bichos, somos nós os animais atrás de grades.
ME ENVERGONHEI.
Quando eu nasci aos 34 anos, nasci bicho. Nasci querendo que o chão seja permeável. Nasci sabendo que A CIDADE É UMA ALEGORIA DO NOSSO EGOÍSMO.
Nasci eu mesma querendo me irmanar de Preta, desejando aprender com ela.
Porque a “sabedoria” humana me deu grades, chão de asfalto e ônibus lotados.
Eu quero abrir uma banana tirada direto da bananeira. Quero sorver sua melecosidade. E a casca servirá de comida para o chão.
Nasci aos 34 anos querendo uma vida que não minta tanto pra si mesma.
Nasci aos 34 anos | entre Vitória e São Paulo | Gabriela Canale
new (dead) born child | London | R.Cambusano on Sergio Godoy’s
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