
Não sabemos completamente o que é uma cidade. É possível saber? Este projeto nasceu exatamente para perguntarmos. O formato foi pensado para abrir espaço para o espanto. Percorrer andando as cidades não é um hábito novo, sabemos. Peripatéticos, situacionistas, andarilhos anônimos – muitos conhecem a experiência de percorrer o espaço público ao redor de onde se habita ou se passa.
O conhecimento advindo do percurso é um questionamento que, pelo menos para mim, nunca cessa. Se pensarmos no formato deste projeto vamos entender que ele tenta organizar de alguma forma muito singela esta experiência. Ao propor o registro ou construção artística, como queira, da cidade, propomos a captura, o congelamento e, ao mesmo tempo, o espanto e a criação. Podemos perguntar por que registramos.
Por que congelamos? Por que recriamos?


Por que congelamos? Por que recriamos? Podemos também fazer o exercício que propõe. Confesso que já andei embebida de espanto pela cidade muitas vezes. Hoje eu prefiro fotografar. É a forma em que consigo melhor mediar esta experiência. É como eu elaboro e me coloco mais conscientemente perante a cidade. Pode ser uma forma de simplificá-la, de lê-la, de inscrever-me nela. Pode reduzir muito o que a cidade é. Mas creio que o que me interessa é a parte, são os vestígios de um todo no qual me inscrevo. Se a entendo? Se creio ser possível se aproximar de seu centro? Não, nem creio em centro. Nem creio que haja em nós, observadores-habitantes-peregrinos, uma unidade estável e coesa capaz de supor uma ordem no caos da cidade.
Quando tentamos dialogar diariamente estamos suspendendo o tempo do espanto, extendendo-o ao infinito. Eu olho para São Paulo como uma estrangeira. Como olhei assim para todas as cidades em que morei – Porto Alegre, Foz do Iguaçu, Londrina, Buenos Aires. (Veja como os nomes das cidades ajudam a entender alguma coisa, mesmo que não sejam totalmente coerentes e contenham sua complexidade). E o espanto aqui no Multigraphias é potencializado porque o que eu vejo nas minhas cidades é seguido de outros espantos propostos por outros olhares que me mostram outros cenários (urbanos e subjetivos).
Por que chamamos a teia complexa de cidade?
Por que mapeamos no espaço nossa atuação. Escrever “Gabriela Canale (São Paulo)” como legenda de uma foto é apontar autoria e localização geográfica. Poderíamos facilmente substituir o nome da cidade por uma referência de geolocalização, por exemplo: “Gabriela Canale ( -21º 8′ 37″ S -50º 25′ 33″ W)”.


O fato é que existe um nome para o território em que me desloco todos os dias. E ele foi batizado, o que é também uma ficção. Chamar de São Paulo este lugar é aludir a uma parte reduzida e recente de uma multimilenar história. O nome ficcional não importa tanto, não creio que ele aprisione nossa percepção. Da mesma forma que assinar Gabriela Canale é aludir a uma ficção batizada pela minha mãe. Não é o nome cidade que reduz a experiência de percorrê-la, fotografá-la e compartilhá-la. Os nomes das cidades e os nossos, seus leitores, são ficções que acrescentam elementos nas narrativas que temos construído quase todos os dias.