Há pequenas vibrações. Há cristais feitos de vento. Ou nem cristais são, mas apenas vento. São objetos sutis. Ou nem objetos são, apenas ensaiam uma forma, não chegam a cristalizar-se. Há pequenas ondulações – quase não se percebe. Mas quando o olho está atento – grãos de energia, películas tão finas – há tesouros que apenas por um breve instante rebrilham. São jóias delicadas, cuja breve existência é quase sempre conduzida em segredo.
Quem testemunhou o faiscar das gotas ao lado dos botijões de gás à tarde quando chovia? Quem soube, durante a chuva, do mínimo tremor das folhas da planta abandonada nos fundos da garagem? Quem viu a dança das formas que a luz desenhava na água nessa hora? Ninguém viu, ninguém sabe. São pérolas quase imateriais.
Há pequenas vibrações. É preciso se aproximar com cuidado. São esquivas. Com a leveza das coisas que não duram – acontecimentos que ocupam um tempo minúsculo – o ritmo daquilo que é muito provisório. Ser testemunha ali é uma dádiva. É como penetrar num reino interdito, numa terra de surpresas.
Quase-objetos, essas pseudo-formas. Oscilam na fronteira entre o material e o espiritual, o concreto e abstrato, visível e invisível. São fantasmas da matéria, e reverberam tênues, e o brilho que emanam logo desfalece, a beleza que exibem para sempre extinta.
Uma experiência como essa não é comunicável. As palavras são rudes demais para exprimi-la. Talvez a música, quem sabe uma música extremamente delicada (talvez Chopin ou Debussy) possa dizer alguma coisa sobre o assunto.
Talvez ninguém devesse dizer nada, nenhuma música deveria tocar e o que vibrasse sobre as coisas que vibram fosse apenas vento, respiração e o peito a palpitar. Os corpos que se desenham no silêncio e que pulsam aos nossos olhos são quase-traços-urbanos, desenhados nas coisas, nos muros, feito colagens. O que vibra pode ser silêncio, corpo, uma pausa, grito-mudo de bocas das coisas. Rostos que não são gentes, canos, pianos, pinturas, paredes, ruas…
E súbito o que vibra são as cores que se colam aos muros, que se prendem entre as ruas, que são antes de tudo um convite a algo por vir. Ou ainda peixes, que dançam ao vento em gaiolas e que não cantam, que não são peixes, que são coisas, que são produtos de gentes,
dessas gentes que se cola nas cidades
(você, eu, nós, eles),
dessas gentes que mudam essa paisagem e fazem vibrar as coisas.
Cities in dialogue: video and text 1: Londrina (Ygor Raduy); photos 4, 6 and 7 and text 2: Berlin (Ísis Fernandes); photos 1, 2, 3, 5 and 8: São Paulo (Gabriela Canale).